A escolha do título é significativa, pois se de um lado a artista está interessada na construção da perfeita contemplação da imagem refletida no lago como uma sinfonia de cores, a palavra remete à soma de [água] e [anagrama]. Sendo anagrama um jogo de palavras que se produz a partir do rearranjo das letras de uma palavra ou frase para produzir outras, daí este “aguagrama”, que seria o mesmo que dizer jogos verbais da água.
Em Aguagrama I percebe-se o papel da paisagem fluvial, descrito aqui como uma invasão de fundos avermelhados provocados pelos muitos arrayanes (árvore chilenas típicas da região) à beira deste rio da Patagônia do Sul. O rio Bonito, resignificado por mais de uma década pela artista, ganha um acento emotivo, catártico, sugestivo ao desmentir sutilmente à realidade mimética.
Ao longo da história da arte ocidental a paisagem foi conseguindo uma autonomia perante a missão de representar cenas ou alegorias. Por tanto ela é per se um indicador de modernidade, que começa a tomar uma expressão maior, justo na Renascença. Então os pintores trataram de conseguir o domínio técnico para representar a água, – assim como outros componentes da paisagem, nuvens, vegetação, fauna –, cada um deles entendido desde sua essência e seu devir.
Eis que Leonardo da Vinci persistiu numa ideia que poderia corresponder ao filósofo Heráclito, cito: “A água que você toca nos rios é a última daquela que se foi e a primeira daquela que vem. Assim é o tempo presenteˮ. A sentença de Leonardo cobra o sentido ao representar suas paisagens comumente como o habitat de algo sagrado, do belo, da medida de todas as coisas a pouco re-descoberta naquela época. Motos semelhantes, em função da apreensão da sabedoria deste elemento natural primordial, chegam da artista chilena em pleno século XXI, em função de que subvertamos por um momento nossa calma ante ele, rio, e o apreciemos com um traço que se encontra além, quiçá próximo a esse outro, a esse fora que é o presente no seu passo convertido já em futuro.
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